Numa tarde de domingo ele teve um encontro que provavelmente já havia tido no passado, porém sua infância foi marcada por momentos em sua maioria traumáticos e como sua memória seletiva não funciona muito bem ele acabou descartando algumas lembranças que talvez tenham sido agradáveis.
Através do vidro do carro o seu braço invade o interior para sentir um toque que lhe faz esquentar. É. O garoto-gelo começava a derreter a partir daquele momento. E as conversas que se sucediam noite adentro pela internet inundavam o seu quarto do pânico transformando-o no maior idiota que já se viu. Não havia mais amargura, só o garoto mais doce que mel. Cafona, ridículo, patético. Isso acontece. As viagens eram marcadas pelo toque na perna e as mãos que se abraçavam, enquanto que os domingos eram tórridos, eróticos e quentes dentro de um carro que, estacionado à beira da praia, lhe tomava todo o ar que existia, ou será que era a companhia? Mãos que buscavam lugares inapropriados, mas não encontravam porque o garoto não tinha pressa. Ele esperava e se excitava ainda mais com aquele jogo que se desenrolava por semanas. No estacionamento ou nas escadas de incêndio de um shopping o perigo era um motivo a mais que tornava tudo muito mais interessante. E o garoto tímido se via precisando esconder que era o cara mais facilmente estimulado só por conta de uma criação meio puritana que não lhe permitia assumir seu lado mais pervertido. Algumas músicas bonitas e outras bizarras eram a trilha sonora de tantos momentos que poderiam ficar marcados pra sempre se tudo não tivesse escorrido pelo ralo como algo insignificante que a gente joga fora. Mensagens, declarações, perfume que não saía da pele e o hálito com gosto de menta... Muitos admiram a merda que fazem antes de dar descarga, mas outros nem isso... Indiferença. E agora o garoto deve recorrer a memória seletiva para esquecer o que deve ou o que não deve. Porque velejar se tornou um esporte perigoso, enjoado e sofrível... O garoto complicado não quer mais saber de barcos... A não ser que quem segure o leme tenha um pouco mais de maturidade.